sábado, 23 de junho de 2012

Do alto





Do alto



Retomo o esplêndido e iluminado rumo
no exacto ponto em que dele me desviei
Reflicto no recôndito da minha alma
onde as intepestivas respostas aguardavam
pela calmaria eminente que se adivinhava
na brandura do coração resplandecente

O tempo ressequiu-se da espera insolente
a que inadvertidamente o tinha sujeitado
Imagino que o tempo precise de tempo
para se tornar a humedecer nas emoções
emergentes no brilho da nítida claridade

Agora, do alto do patamar a que desci
volto a recuperar o esqueleto de mim
E... enquanto olho placidamente para
as sombras do mundo onde vivi
volto a respirar livremente nas rebeldes
estrias que a alma tão sabiamente havia
ocultado... a que retornarei quando a
humidade do tempo lhe confira de novo
a maleabilidade que contorna os corações
emperdenidos pelo medo...




Paulo Lemos

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Provavelmente




Provavelmente

Provavelmente as nuvens obscurecem
o azul renitente que me pinta por dentro
olhos de nítida luminosidade com
brilhos de dimensões relevantes
numa aguarela que esbocei em
dias de dor ainda latente
Provavelmente...

Provavelmente o azul renitente
obscureceu a lua em cuja face oculta
havias depositado os resquícios que
a tua alma dorida rejeitava como
remanescências de um tempo em
que apenas a dor te pintava o coração
de uma negridão absoluta e indizível
Provavelmente...

Provavelmente a lua obscurece o brilho
transitório que a simplicidade ilusória
parecia emprestar à vida enquando
a negridão absoluta aparentava dissipar-se
no fio dos dias onde encontravas o consolo
diluído nas horas em que o tempo ia
escorrendo como se não houvesse
princípio nem fim apenas o estático
absoluto do instante
Provavelmente...

Provavelmente o sol ilumina a lua
mesmo oculto nas noites que não esqueceste
e guardava secretamente o brilho que
os teus olhos lhe haviam emprestado até
chegar o tempo de eu pintar a aguarela
de azul nítido que obscurece a lua e te
devolveu o brilho luminoso apenas viável
pelos reflexos do mar viajando suspensos
nas minhas palavras até ao teu olhar...
Provavelmente... 



Paulo Lemos

O cais






O cais


O amor não escolhe o tempo
Esconde-se nele... vai com o vento
Na corrente e na maré
Mas encontra sempre um cais

Outros cais ficam para trás
Pois eram apenas escalas
Para o barco tomar folêgo
E o seu Norte encontrar

E o vento brinca com o tempo
E a maré brinca com o vento
Pois apenas a maré sabe
Para onde levar o vento
E qual será o tempo
De chegar a outro cais

Todo o barco tem destino
Por mais perdido pareça
Nunca navega sem rumo
E na rota sempre acerta

O amor não escolhe o tempo
E se veio neste vento
Que esta maré empurrou
É porque agora é o tempo
De atracar neste cais

No seu corpo se perder
Junto a ele amanhecer
Em olhares enternecer
Em beijos enlouquecer
e... amar...cada vez mais...

Paulo Lemos

Protege o que há em ti





Protege o que há em ti...


A vida passa... sem parar
Tu não páras... sem viver
O azul de cada amanhecer
O pio dos pássaros nos beirais
Os cheiros húmidos das manhãs
Os olhares que já são teus
Os sorrisos que te pairaram no rosto

A vida passa em ti... sem notares
Perdes os dias ou... os dias perdem-te
Navegas sem saber para onde vais
Nem perceber lá onde te perdeste

E... Cada dia que por ti passa
Sem sequer nos olhos te olhar
É mais um dia que te pesa no passado
Fugiu de ti... Sem sequer o sentires
E vês de onde vens...  mas...
Não sabes para onde vais

Passa-te a vida... sem tua ser
Fogem-te os dias sem os beberes
O medo tolhe-te as emoções
E... perdes-te em ti... mais fundo
Porque sabes a estrada
Que o medo te rouba...

Quando foi que te perdeste de ti
Que te afundaste nos sonhos
Sem sequer tentar nadar
Desististe deles sem lutar
Sabendo que sempre vão aí viver
E a lama onde os afogaste
Não os consegue matar...

Mas o que sentes... mesmo enterrado
Na terra que cuidavas quieta
Pressente-te e inquieta-se... revoltado
Dá-te fome e sede de sentir e viver
Nos sons que se soltam do chão húmido
Aprenderás  a proteger finalmente
O que de único a vida te deu...

Nada os teus sonhos sem receios
O medo só existe para te lembrar
Que a vida para se te entregar
Por ela te vai obrigar a lutar... e
Que o mar também chora...mas esse
Acaba sempre por voltar...
A esse lugar... que é só meu...

Paulo Lemos

Simplicidade a mar






Simplicidade a mar


Os passos que parecem perdidos
Livres... sem destino
A minha mäo perdida na tua
O silêncio nas palavras caladas
Que apenas nos brilham no olhar

As flores de lis que deixam o
cheiro escapar... dançando
Que nos brinca nas narinas
Como cocégas e nos devolve o
rir de quando crianças

O tempo pasmado... ali
Ainda sem perceber como
foi sendo enganado
Nem o tempo sabia ainda
que o amor o engana sempre

Tu.. nos teus passinhos que
Acompanham os meus
Os teus pés parecendo
Que brincam com a calçada
Enquanto os dedos te dançam
na palma da minha mão

E... nem precisamos falar
Para quê as palavras
Se elas nao cabem nas borboletas
azuis que... nos seus bailados
Nos trazem pontinhos de luz
Que te largam nos olhos

Na nitidez do sorriso
Onde o teu rosto emudece
E  cabe toda essa ternura
Que te escorre para as mãos
Que se perdem nas minhas

Os teus lábios  entreabertos
Onde se adivinha a sede
Que matas nos meus
A tua mão na minha
Com a força de quem não pode
largar o instante... só nosso
no meio de tanta gente...

Só preciso abraçar-te
O teu corpo junto ao meu

E nada mais é urgente
Para saberes que é amor
O que nos queima a pele
Nesse teu sorrir sereno
E te descansa no olhar

E percebemos que um momento
dura para sempre
na paz de uma eternidade
Que há tanto  pressentimos
quando chamavas por mim
E eu te escutava... Mesmo sem o saber.

Paulo Lemos

Reflexos


Fotografia: Anabela Baptista com edição de Paulo Lemos


Reflexos
Foi nos reflexos do meu sentir
Que te foste alimentando
O barulho do mar... ali ao lado
E eu esfoçava-me a limpar o espelho
Imaculado de emoções
Na ilusão que em cada manhã
Ali irias acordar
E... eu extenuada a brilhar o espelho
E o mar... ali ao lado
A levar-te aos poucos...
Manhã após manhã
o espelho vazio de ti... mas
cheio de mim... e o mar
sempre o mar... a levar-te para longe
onde eu não via... nem sentia
ocupada com o brilho do espelho
e a ilusão das manhãs
e... o mar levou-te e... eu no espelho
já sem reflexos de ti
mas cheio de mim...

o mar levou-te e eu fiquei
só depois entendi que o brilho
do espelho... agora limpído
é meu... e da luz com que eu o iluminar
Reflexos do meu sentir
Agora que eu olho o mar...

Paulo Lemos

terça-feira, 19 de junho de 2012

Renascer





Renascer



Nascemos a cada dia, virgens
acompanhando o nascer do sol
A alma, folha em branco aguarda
Pelas palavras que irão ser escritas
Pelo lápis de luz que escreve os dias

As folhas para trás, escritas noutros dias
Patamares indeléveis de passados
que se distanciam inexoravelmente
nascidas num tempo e feitas pó noutro
Estão lá e  existem, mas jazem em
folhas onde o poema não chega

O papel em branco aguarda ansioso
Pelas letras que irão escrever o dia
E outro e outro, nas albas folhas
Que cada nascer do sol nos oferece

Tenho páginas e páginas vazias
Guardadas no sol, à espera de mim
Onde, com o amor das palavras que
trago no tinteiro do coração
escreverei, com as letras
que me nasceram nos sonhos

Escrevo-te a ti, desenho-te em cada letra
Vais tomando a forma de um poema
Envolto num doce corpo de mulher
Dançarina no espelho das ilusões
Até tomares forma nas letras
Concreta substância de emoções
Poética essência de puro amor

Escrevo-te e vejo-te nascer também
Com o sol, desenhada nos contornos da luz
Que me queima a pele, ao sentir o teu
corpo agora no meu, as letras emaranhadas
nas minhas,  a folha que anseia por nós,
e...apenas ao nela nascer lhe damos expressão...  
ficando imóveis no poema,agora escrito
Não eu... não tu... mas nós,
enleados no sentido que o poema tem
porque celebra um amor
porque nele vivemos...

Paulo Lemos

segunda-feira, 18 de junho de 2012

A porta





A porta



Fomos trepando as estradas
que à nossa frente se desenhavam
ora subindo... ora descendo
Como que paridas do esquisso de
um qualquer engenheiro alucinado

Pareciam não ter fim... com curvas ocultas
e bermas onde os fantasmas das silvas
nos iam picando e cortanto a pele
E o sangue, o nosso, ia lavando a
estrada sinuosa, misturado com o suor,
formando uma pasta, que nos ia
aliviando a dor, que mais à frente,
acabava sempre por regressar

Passámos atalhos, onde os demónios
da noite nos arrancaram pedaços
da alma que, de tanta dor, acabou por
parar de doer, ou então erámos nós
já habituados a ela que, embora
lá, já a nem sentíamos...

Mas chegámos assim, de alma lavada,
pelo frio e o sangue e o suor e a dor
e as chagas cicatrizadas, ao cruzamento,
já não traçado pelo engenheiro alucinado,
onde nos acabámos por encontrar...

Em frente um caminho, já sem as pontas
acutilantes que antes nos cortavam e,
protegido na luz e sinais, que afastam os demónios
A paz essa, deixou de se ocultar por
detrás das silvas, agora secas neste
trilho, inócuas, apenas presentes para nos
lembrar o tempo em que só paravam
de se agitar quando nos viam o sangue

Para lá da porta de luz, onde espíritos de antanho
de cavaleiros brancos, se suspendem
apenas para nos abençoar, uma nova estrada
Não sabemos quão longa esta é,
nem sequer onde vai dar. De verdade pouco importa,
desde que continuemos a caminhar
de mãos dadas nos silêncios em que forjámos
as nossas cumplicidades, enquantos as feridas
secam com o vento ameno que sopra
dos lábios dos anjos

Foi da dor que nascemos. Dessa que vamos
deixando em retalhos que ficam a secar ao
sol, que os abutres hão-de vir comer, até nada
restar dela. Apenas o resto do caminho,
cujo destino desconhecemos, apenas a tua mão
na minha e os silêncios que o nosso amor
agora povoa, apenas a ternura suspensa nesta paz,
nesta estrada só nossa. Pautada pelas pausas
em que nos abraçamos, apenas nós....
e... a luz... e a paz...

Paulo Lemos

domingo, 17 de junho de 2012

Soprada no vento





Soprada no vento



Em quantos caminhos me tenho
que perder ainda em mim
Quantas estradas erradas percorrer
Meandros de rios  deslizar às cegas
Entre monstruosas montanhas
ameaçadoras da minha pequenez

Quantos mares tenho que mergulhar
E rios descer imerso em correntes
Trilhos perdidos em montes esquecidos
Rastos de cobras e de chacais onde
nítidas nuvens de águas estagnadas
pingam gotas de tristes chuvas

Afectos difusos distantes no tempo
Dobram as horas e o pensamento
Esquecem-me e recordam-me distantes
Quero e nao posso ou posso
e não quero, poder o que quero

Deslizo em mim reflectido nos contornos
esbatidos da face, que me não lembra
oculta, por cabelos que sonhei
levemente ondulados, de onde emergem os
olhos que há muito esgotaram as lágrimas
mas teimam ainda em chorar...

As luzes secam ainda os caminhos que
percorro, meio perdido, sem perceber
completamente os sinais que me cercam
em electrificantes emoções angelicais de
imaculada brancura que me cega

As respostas, essas, estão há muito escritas
no livro do oráculo, com letras que só
os druídas dos poemas conseguem decifrar
Resilientes ao tempo, ao pó que as teima em cobrir,
são sopradas no vento que apenas
os olhos ainda inundados de amor, que
não seca, conseguem ouvir...


Paulo Lemos

Sonhos





Sonhos



Tenho sonhos perdidos
E desejos distantes
Tenho longos momentos de solidão contigo
Quase te tenho junto a mim

Os candeeiros distantes
Anunciam-me que há luz na noite
Quase te vejo
Quando os reis ouviam histórias
e... os meninos riam
quando as estrelas distantes
nos traziam lendas do passado
e as aves gritavam de alegria
no meio do céu
tenho recordações distantes
do fogo e do fumo
suavemente fazendo-nos chorar e rir
e... lembrar o quanto somos humanos
sinto o barulho das luzes
que nos acordam dos nossos sonhos
sinto-me distanciar... muito...inexoravelmente
sinto luas que me falam de ti
sinto ventos que te trazem
sinto-me só...contigo

relembro paredes de pedra
salas vazias
mãos que se unem... na ternura
[tu sabes que foi eternamente]
Sinto lágrimas amargas
E solidões distantes
Sinto-me só...contigo
Revivo-te...comigo
A  tua face imaculada
No meio de mim...
Chorando e chorando-me
Quanto te sinto...só...comigo

Porque será que há
Lágrimas de pedra
No coração dos poetas?


Paulo Lemos (1984)

Nós




Nós



Existem palavras que passam para além do sonho
Para além do que somos e queremos, para além de mim
Passam quase devagar, quase que param...para além de nós
Para além do paraíso. Do deserto onde não há água
Das flores que se riem de nós, do céu que nos absorve
Perdemo-nos na imensidão de nós próprios
Num mar de ideias, incertezas, solidão
Sopra o vento da tristeza
Que desperta num silêncio para além da ilusão
Dum frasco cheio de vida
Que anseia pela morte
Na descoberta de um olhar
Recheado de loucura
Passamos para além de um tempo perdido
Na ternura de nascer...

Paulo Lemos (1984)

Angústia




 


Angústia


O vómito da terra que se anuncia
A noite vem suave e morna
Espelhos d’água reflectem o sopro da vida
A loucura grita desnudada
Ouvem-se ecos de murmúrios serenos
A lua ergue-se distante e alta
Enquanto o mar se acalma
As pedras agitam-se no silêncio
A escuridão brilha caprichosa
Caem do céu pedaços de estrelas
A vida pára e a morte avança
O tempo olha surpreendido
Os soluços distantes de uma velha
Que chora por ainda viver
O espaço sideral envolve a morte
Ouço agora a voz de uma criança
Duma criança que grita
Que grita porque tem fome
Aqui e além mendigos estendem as mãos e odeiam-nos
À porta de uma casa velha
Está um miúdo descalço e esfarrapado

Continuo a caminhar...
Desde que nasci que caminho... para a morte
Agora do meu lado esquerdo
Vejo o mar...sim o mar
Porque o mar ainda vive
E eu também...

Paulo Lemos (1984)









Lágrima





Lágrima...



Cessa de chorar
Enxuga a última lágrima à manga
O tempo não espera por lenços


Cerra portas e janelas
Ignora o sol que se espreguiça na relva
Não ouças o mar que chama por ti
Fica só... não ouças ninguém...


Ignora todos os outros...
Agora no escuro e no silêncio
que te afaga a pele dorida
Não interessa quem julgam que és
Nem sequer o que pensam de ti...

Olha para ti... para dentro
Para o mais fundo de ti...
Procura quem és... o que queres
Todas as respostas estão aí... todas
Ocultas... onde as não procuraste
E o silêncio e a escuridão são amigos

E... quando encontrares as respostas
Quando souberes quem és...
O que queres e... para onde vais
Abre todas as portas e janelas
Deixa entrar o sol que te iluminará
Com um brilho diferente
de todos os outros dias...

E... esse som que agora ouves
São as ondas... que te chamam... lá...
Onde aguardo por ti
Junto ao mar...


Paulo Lemos

Abraço




Abraço...



Rodopiam-me as letras na cabeça
Martelam...tresloucadas e sofrêgas
Dançam valsas metafóricas
Correm, saltam, embatem...

Aguardam por ti... as letras
Como eu aguardo
Na ansiedade de
No silêncio da noite
Chegares mansamente
Como sempre chegas...

Com a ternura numa mão
E a alma na outra
Que vais desenovelando...
O suave perfume das hortências
Que exalas, colado a ti
Apesar de distâncias ilusórias
Bálsamo de almas perdidas
Ou recordações de vidas passadas...

Os teus sonhos
Que entram nos meus
Os meus sonhos que
Perpassam os teus

O calor de ti
Que ecoa numa voz pressentida
Em abraços... apertados
e... como te sinto...

Então...
Quando as letras percebem
A tua doce presença
Acalmam-se, descansam...
ajeitam-se, alinham-se..
e... sozinhas
Inebriadas pelo teu perfume
formam palavras
Compôem poemas
depois de me terem passado no coração
de onde levam um pedacinho

Porque eu não escrevo poemas
As letras escrevem-nos por mim...

A ti...

Paulo Lemos